O Criar e a Dor

A parte mais dolorosa de escrever não é lidar com o papel em branco, nem revisar cada palavra, nem passar um feriado inteiro olhando pro monitor, procurando em si mesmo, algo diferente e que valha a pena ser dito, analisando cada caminho possível, beirando a catatonia; com certeza, a pior parte é abandonar uma idéia ruim a que você tenha se apegado. Pra quem gosta do ofício, ainda que não remunerado, claro que compensa. Mas o grande perigo, não apenas para o criador, mas principalmente para seu público, quando existe um, é se apegar à ideia alheia, e optar pelo caminho da sombra.

Um dos problemas do público em geral é a atitude de perguntar quem fez tal trabalho artístico, antes de decidir se gosta dele ou não. Em consequencia disso, surge todos os dias uma multidão de artistas novos apoiando-se na personalidade de artistas estabelecidos. Pronto, está decretada a epidemia do clichê. Muitos desses novos artistas, no entanto, deixam passar uma oportunidade de se destacar pela diferença, perdendo-se no oceano de iguais. Típico exemplo de realidade deformada pelo desespero.

Muitas vezes, isso é culpa do próprio público; ao mesmo tempo que é facilmente manipulável pela mídia, também a manipula. Pede para ser subestimado sempre que repete a atitude que citei acima; sente-se confortável na posição de perpetuar os ícones como exclusivos representantes de arte relevante. Pronto, está feito o acordo tácito e inconsciente: alguém me diz que aquilo é bom, eu digo que aquilo é bom se for de fulano de tal. Então não adianta culpar totalmente a mídia; como todo bom vendedor, ela apenas fala o que queremos ouvir.

Portanto, um dos maiores conflitos pelos quais um artista pode passar é não saber a hora de parar, seja de investir numa idéia, num caminho ou nele mesmo. Quando chega a hora de reinventar a criação ou de reinventar-se como criador, de reconhecer quando a fonte secou. Essa falta de discernimento tira dele o senso do ridículo, como tentativas desesperadas de reuniões de bandas, continuações de histórias ou repetição de fórmulas, tudo para angariar talvez os últimos trocados da idéia, para protelar o inevitável constrangimento do fim protelado.

Artistas que voltam do limbo da inatividade para requentar trabalhos cuja relevância residia exatamente na originalidade, seja por necessidade, seja por vaidade, estão sabotando a própria possibilidade do reconhecimento a longo prazo, mesmo contando com o apoio momentâneo de fãs igualmente desesperados por uma última nesga da arte com que tanto se identificam. Aí, quando até eles se cansam, o que resta? A memória de um arremedo posterior prevalece sobre a lembrança de algo que foi muito maior e melhor, que agora jaz embaçado em alguma estante empoeirada de sebo.

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