Lobão, Steve Jobs e os hábitos em extinção

Você começa a se sentir velho quando os seus hábitos não são mais abraçados pela geração que o sucede. Ainda sou o tipo de pessoa que compra cds, dvds e livros impressos. Ainda gosto de rasgar aquele plástico irritante que os envolve, abrir a caixinha, ler o encarte, ver o disco entrando no aparelho, virar a página ligeiramente mofada e depois deixar o marcador onde parei. Gosto do espaço que eles ocupam e da companhia que me fazem. Esses são hábitos cada vez mais ultrapassados, mas até "ontem", não eram.

Recentemente, o músico Bon Jovi apontou Steve Jobs, da Apple, como principal responsável pela morte da indústria da música. Acho que isso reduz uma discussão que é muito mais ampla. Se os arquivos mp3 e seus players portáteis modificaram os hábitos da maioria foi porque, de certa forma, atenderam aos anseios dessa maioria. Somos todos produtos de nossa época, e não posso garantir que preferiria as "bolachas" aos itunes se tivesse nascido depois de 1990. Não devemos deixar que o saudosismo nos impeça de aceitar e viver as mudanças , pois elas são inevitáveis. Até porque, vivemos em uma sociedade de consumo, queiramos ou não.

É também muito simplista culpar os Napsters da vida. Ao invés de espernear, a indústria precisa se reinventar, acompanhar a mudança de paradigma que acometeu a cultura de massa. A maior mudança talvez seja exatamente a redefinição do que é cultura de massa. As plataformas de divulgação mudaram. Os meios profissionais de produção se democratizaram. As mudanças de hábito do público são mera consequência. A Internet e os programas P2P ajudaram a divulgar milhares de artistas novos, criando um "boom" produtivo de qualidade questionável e a pulverização da oferta levou à da demanda.

Toda essa celeuma faz lembrar a cruzada de Lobão contra o jabá. Ele é um cara muito inteligente, dá excelentes entrevistas. Sua visão política do meio musical pode ser panfletária demais, mas gosto quando alguém incomoda os "coronéis" que não largam o osso, ditando moda e transformando arte em lucro. Claro que o artista quer e deve querer ganhar dinheiro. Lobão também quer, nós todos queremos. Mas, em algum lugar, deve haver espaço para o lúdico, para a arte pela arte. A experiência das apresentações ao vivo passou a ser o único produto não "pirateável", a fonte de renda mais viável para o artista. De certa forma, a Internet instrumentalizou a previsão de Lobão quanto à derrocada do modelo de indústria que vigorou até o início do século. Resta saber se a indústria morrerá com ele.

Vivemos os tempos do YouTube, da banda larga, dos programas que encodam direto em mp3 e de gravadores de mídia digital baratíssimos. É hipocrisia reclamar das consequências enquanto não se combatem as causas. O produto é caro, a fiscalização é falha, e a oferta, crescente. A indústria parece não querer ver que, sob as condições atuais de mercado, o consumidor está com o poder de ditar preço. O único caminho seria tentar novamente tornar inacessível a produção em pequena escala e impedir a duplicação caseira da propriedade intelectual, mas, nesse ponto, a situação me parece irreversível.

Impossível mensurar até que ponto a democratização dos meios de produção contribuiu para a evolução da música; inegável é a sua contribuição para criar um público que consegue pensar sem ser domesticado pela "grande mídia". O leque de opções é maior, mas o sucesso é menor e ainda mais fugaz. O mais difícil hoje é separar o joio do trigo - pois esse também é o tempo da enxurrada de subprodutos derivativos. A indústria falhou ao não diagnosticar que não dá para reconstruir o hábito de consumir o "produto" disco, o "produto" livro, o "produto" DVD, pois, na verdade, o negócio dela não é vender a plataforma em que a arte é consumida, e sim, a arte em si, música, filmes, textos.

Pelo sim, pelo não, vou aumentando minhas coleções. Só espero ter tempo de conseguir completá-las, antes que o mundo se renda totalmente ao streaming e aos produtos intangíveis.

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